Os Estados, as nações, os países do globo —
devem existir sem xerifes.
Não pode haver domínio, nem pilhagem disfarçada em diplomacia.
Toda tentativa de saque — seja de bens, saberes ou riquezas naturais —
deve encontrar a barreira firme da justiça global.
Pois o que nasce de um povo pertence à sua terra,
e o que é da terra deve ser intocável por mãos estrangeiras.
Mas o ser humano, em sua engenhosidade e vaidade,
transformou o ideal em mercadoria, e o sagrado em contrato.
Das fábulas aos púlpitos, dos templos aos palcos,
multiplicam-se vozes que prometem paraísos —
paraísos condicionados à obediência,
ao cumprimento de regras moldadas por outros homens.
Esses pregadores, ainda que travestidos de filósofos,
conduzem multidões com promessas de luz,
enquanto mantêm acesa a chama da ilusão.
A contradição é clara:
a criatura humana é um misto de ternura e ferocidade.
Tem a capacidade de acariciar e a ânsia de dominar.
É afável e egocêntrica; sensível e predatória.
Nas guerras, pouco importa quem vença —
os vencedores praticam as mesmas violências dos vencidos.
E, ao fim, há apenas um grupo que perde sempre:
as crianças.
As crianças — que não conhecem preconceito,
não elegem líderes,
não escolhem deuses nem donos.
São inocentes das barbáries que os adultos produzem.
Ainda assim, pagam o preço das crenças,
dos delírios e das ambições humanas.
A verdade, embora dura, precisa ser dita
aos que insistem em chamar-se “a perfeição da criação”.
Na natureza, a vida se alimenta de vida.
Nenhum ser escapa à lei do consumo e da morte.
A violência é universal —
mas em nós, que nos dizemos racionais,
ela se torna consciente, deliberada, cultivada.
Se houvesse uma balança para medir o peso
entre o instinto e a razão,
veríamos o ponteiro inclinar-se completamente
para o lado primitivo —
para o lado nada inteligente.
E ainda ousamos chamar-nos especiais.
Basta olhar as guerras — as passadas e as presentes —
e ver o que se faz com as crianças.
Esse é o espelho mais fiel da nossa espécie.
Talvez um dia possamos ser, enfim,
humanos dignos da inteligência.
Quando nos libertarmos dos mitos,
dos falsos escolhidos, dos que intermedeiam o invisível.
O único caminho — a última chance —
é pela educação das crianças.
Ensiná-las a compreender a dor,
a respeitar os espaços do outro,
a valorizar o afeto,
a reconhecer a dignidade no simples.
E sobretudo, ensiná-las a não participar —
jamais —
da construção de sistemas que escravizam,
mesmo que o façam sob o disfarce da harmonia.
red9juarez