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Quando a caridade vira regra, algo essencial já falhou. Este texto questiona as palavras que disfarçam a exclusão e mantêm a injustiça intacta.

Ajudar não é virtude quando o problema é estrutural.

  Universalidade Grotesca 

A universalidade grotesca de palavras como caridade e ajuda, entre tantas outras, não surgiu por acaso. Elas foram criadas — ou apropriadas — para camuflar a obrigatoriedade do seu sentido inverso: aquilo que deveria ser natural em uma sociedade composta por seres inteligentes, mas que, paradoxalmente, insiste em agir sem consciência plena de si. 

Diante dessa contradição, criam-se regras, sistemas e discursos que, ao menos em aparência, parecem claros e bem-intencionados — ou, no mínimo, deveriam ser. A modernidade costuma ser compreendida como a capacidade de, à luz dos acontecimentos sociais do passado, procedermos melhor no presente. No entanto, o que se observa é a repetição sofisticada dos mesmos erros, agora legitimados por palavras suaves e gestos simbólicos. 

O ser social da nossa espécie não deveria necessitar de caridade. Para mim, essa palavra ultrapassa o desconforto: seu sentido se aproxima do obsceno. Fala-se incessantemente, em todos os cantos do planeta, sobre sistemas e estruturas — sobre como deveriam funcionar — quando o essencial seria reconhecer como devem ser. Não é natural existirem palavras destinadas a compensar falhas estruturais permanentes. Elas não surgem por virtude, mas por omissão. 

Com tudo à nossa disposição para ser usufruído sem destruição, com a magnificência do universo superando qualquer limite da imaginação humana e estando, ao menos em potencial, sob nosso comando racional, torna-se evidente: do universo resultamos nós, e de nós, por meio de nossos feitos conscientes, poderíamos criar o paraíso. Um paraíso sem egocentrismos, sem crimes de Estado, sem dogmas religiosos instrumentalizados. Um paraíso construído pela eliminação da mentira que tantos utilizaram para instaurar opressão, medo e servidão. 

Desconheço qualquer filosofia mítica que defenda, com firmeza e honestidade, a exclusão como princípio. Ainda assim, palavras como pobrezaguerradoenças por desnutriçãomovimentos de ajudaassistência aos necessitados e alfabetização continuam sendo pronunciadas como se fossem fatalidades naturais, e não sintomas claros de uma falha profunda de gestão, ética e responsabilidade coletiva. 

Quando se mencionam pessoas nessas condições, raramente se realizam projetos reais de reparação estrutural. Em seu lugar, promovem-se atos simbólicos de ajuda momentânea, suficientes apenas para aliviar consciências e manter tudo exatamente como sempre foi. A miséria torna-se administrável; a desigualdade, tolerável; a injustiça, permanente. 

Não possuir nada, ser excluído dos bens produzidos pelo próprio país, é uma doença de gestão do Estado. Possuir tudo em abundância, sem limites, enquanto outros nada têm, é uma doença pessoal. Ambas coexistem, alimentam-se mutuamente, sendo sustentadas por uma linguagem que mascara a urgência da transformação.

red9juarez 

Quando a caridade vira regra, algo essencial já falhou. Este texto questiona as palavras que disfarçam a exclusão e mantêm a injustiça intacta.

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